Notícias da Bahia – Processo para conseguir a cidadania italiana sofre mudanças em 2022

Nossa análise sobre a recente reforma do Processo Civil italiano e os seus impactos nos processos de cidadania italiana

  

Nos últimos meses, o contexto legislativo e judicial do procedimento de reconhecimento do direito à cidadania italiana sofreu modificações importantes. Em 25 de novembro de 2021, o Parlamento aprovou uma reforma cujo objetivo é o de promover a eficiência do processo civil e implementar uma série de medidas urgentes para a racionalização dos procedimentos em matéria de direito das pessoas e das famílias e em matéria de execuções obrigatórias.

A Lei aprovada modificou, dentre outros aspectos, dispositivos processuais relativos ao reconhecimento do status de cidadania italiana.

A partir de 1° de julho de 2022, o critério de definição da competência será a cidade de origem do Dante Causa (ascendente italiano nascido na Itália) do(s) autor(es) da ação. Portanto, o foro competente será o Tribunal da cidade capital da região de origem (“capoluogo regionale”), e não mais exclusivamente o Tribunal de Roma, como acontece até então.

Esta descentralização da competência dos Tribunais pode trazer uma celeridade importante ao julgamento dos processos, mas, por outro lado, poderá fazer com que haja decisões de entendimentos variados sobre uma mesma questão, o que já não acontecia no Tribunal de Roma.

O objetivo principal da reforma, de acordo com o Ministério da Justiça Italiana, é diminuir em 40% os tempos processuais, proporcionando, assim, a simplicidade, a concentração e a efetividade das tutelas, além da garantia de uma duração razoável do processo.

Via judicial é o caminho que mais cresceu para a busca da cidadania

 O brasileiro possui basicamente três caminhos para o seu processo de cidadania italiana: a via consular, a via administrativa na Itália e a via judicial junto ao Tribunal italiano competente. A via judicial tem sido o caminho muito procurado especialmente a partir de 2018 e depois da recente pandemia do Covid-19, por ser uma via considerada célere em comparação com o tempo das filas consulares e menos custosa do que a via administrativa por fixação de residência na Itália.

Além disso, a via judicial pode ser coletiva. Com isso, processos familiares em que os descendentes de um mesmo Dante Causa compartilham a mesma pasta, podem ser declarados italianos numa mesma sentença.

As mudanças na Lei

Sabe-se que o pedido de reconhecimento judicial da cidadania italiana é feito por meio de uma ação, que na Itália é denominada “Ricorso 702bis” proposto somente junto ao Tribunal de Roma, que julga em composição monocrática.

Essa ação foi introduzida no processo civil italiano com a lei de n. 69/2009, que trouxe como novidade jurídica da época o Processo Sumário de Conhecimento.

A recente reforma modifica o chamado Processo Sumário de Conhecimento, “ampliando o campo de aplicação a todas as questões nas quais os fatos em causa sejam todos não controversos, a instrução seja baseada em provas documentais ou de súbita solução ou, de qualquer forma, não sejam presentes perfis de complexidade”, chamando-o de Processo Simplificado de Conhecimento.

O principal impacto dessa reforma para os processos de cidadania, está inserido no âmbito da adoção de medidas urgentes de racionalização no que diz respeito à constatação do status de cidadania italiana, modificando os critérios de definição do foro competente para o juízo, com a finalidade de desafogar a Vara especializada que fora instituída junto ao Tribunal de Roma.

Sabe-se que, atualmente, a ação de reconhecimento do status de cidadão italiano, sendo o(s) autor(es) da ação pessoas que não residem na Itália e sendo o réu/requerido, o Ministério do Interior, representado judicialmente pela Advocacia Geral da União, os pedidos devem ser todos impetrados junto à Vara especializada em matéria de imigração, proteção internacional e livre circulação dos cidadãos da União Europeia, que hoje existe somente no Tribunal de Roma, o qual é o Foro Financeiro competente.

Ocorre que, nos últimos 3 anos, o aumento da quantidade de ações de reconhecimento de cidadania italiana impetrada no Tribunal de Roma acabou sobrecarregando tanto a parte administrativa dessa Vara, quanto os próprios juízes, prejudicando o exercício célere de suas funções, como previsto para tal tipologia de pedido.

As audiências, que por lei deveriam ser fixadas em breve tempo após a entrada do pedido, e que inicialmente eram fixadas em poucos meses, com um máximo de um ano e meio, passaram a ser designadas para datas que chegam a três anos da apresentação da ação judicial, se contrapondo aos princípios de celeridade que foi base da criação do Processo Sumário.

Outro ponto é a transformação do mundo tradicional para o mundo virtual; alguns procedimentos utilizados na gestão da aceitação, distribuição e conclusão dos processos já foram digitalizados, outros não, o que acaba causando a demora na realização de etapas, como por exemplo, a emissão das certidões de trânsito em julgado, que chegam a demorar 6 meses para serem emitidas e são necessárias para a transcrição e registro do cidadão reconhecido italiano, no Comune.

A reforma do Processo Civil tem por finalidade, como visto, desafogar a situação de demora e tornar efetivamente célere os processos de rito simplificado, ao descentralizar a competência para o julgamento de ações como o de reconhecimento do status de cidadania italiana.

Contudo, tal novidade deixa no ar algumas incertezas. Se por um lado, acredita-se que abrir a competência para outros foros ajudaria o desafogamento da Vara de Roma, e provavelmente provocaria um aceleramento no julgamento das ações nos outros Tribunais; por outro lado, existe o desconhecimento se os novos juízes aceitarão práticas de entendimento aplicadas atualmente nos processos de cidadania já consolidadas entre os juízes do Foro Romano.

E como fica a tese da Grande Naturalização?

Já há alguns anos em que a Advocacia Geral do Estado italiano tem invocado a tese da Grande Naturalização (GN) contra processos de reconhecimento de cidadania italiana iure sanguinis cujo Dante Causa estava no Brasil no período de vigência do Decreto presidencial brasileiro da Grande Naturalização (entre os anos de 1889 e 1891) e cujos filhos tenham nascido em solo brasileiro antes do ano de 1912, ano da primeira lei ordinária italiana que tratou especificamente da dupla cidadania.

Os juízes do Tribunal de Roma, em primeira instância, não acataram até hoje a tese da GN e em 2021 a maioria dos recursos julgados em segunda instancia, pelas Corte D’Appello de Roma e de L’Aquila, também não acataram essa tese da GN.

Com a reforma que traz a descentralização dos processos de cidadania italiana, não se sabe como serão os entendimentos dos Tribunais locais a esse respeito. É uma lacuna cujo resultado somente poderá ser reconhecido com o tempo. Mas acredita-se que em breve, novidades serão determinadas pelo posicionamento da Corte di Cassazione italiana, e assim se espera um entendimento pacífico e uniforme quanto ao tema.