Na última semana, compartilhamos com vocês algumas movimentações nos tribunais da Itália que vinham agitando os fóruns de discussões sobre cidadania italiana. Isso porque a Avvocatura dello Stato (em veste de defensora do Ministério dell’Interno) vinha arguindo uma interpretação diferente, combinando artigos de diferentes leis da época, que acabava por restringir o direito à cidadania em alguns casos, entre eles o de pessoas cujo ascendente italiano estava no Brasil em 15/11/1889, data do decreto brasileiro da Grande Naturalização. Falamos sobre isso aqui.
Porém, uma nova decisão proferida no dia 8 de outubro, trouxe ares otimistas ao cenário. O acórdão n. 6640/2021 da Corte D’Appello (Tribunal de 2ª instância) de Roma da 1ª Turma veio para contrariar e para combater esse panorama jurídico, que havia delineado situações desfavoráveis para o reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis.
O que diz a decisão
No acórdão da última semana, a 1ª turma se posicionou contrária, já de início, à tese que havia assustado as pessoas que estavam em processo ou pretendiam requerer o direito à cidadania. O destaque foi para os aspectos frágeis e sem fundamentos lógicos e jurídicos plausíveis da apelação aceita pela 2ª Turma, na seção Pessoa, Família e Menores, junto à Corte D’Appello de Roma. Veja os pontos cruciais da nova decisão:
- Expressa vontade: chamam a atenção na letra da Lei, pois consideram que a escolha do uso do verbo “obter”, ao invés do uso do verbo “tornar-se”, no texto do artigo 11 do Código Civil Italiano de 1865, já pressupõe, etimologicamente falando, a implícita necessidade de uma expressa manifestação de vontade do interessado em adquirir a cidadania. Eles indicam como sendo necessário uma ação de impulso do próprio cidadão, um ato voluntário do ser humano;
- Não à presunção: a Corte afirma, relembrando a sentença da Corte De Cassazione (Tribunal Superior) de Nápoles, no ano de 1907, que não se pode presumir a renúncia à própria nacionalidade por parte de um cidadão; é necessário ter a prova clara e explícita de uma eventual renúncia;
- Aplicação da lei generalizada e impositiva: no que diz respeito especificamente à aplicação do Decreto Presidencial de 1889, sendo uma questão que abarca princípios inerentes aos direitos fundamentais da pessoa, é inaceitável, e deve ser absolutamente excluída, a possibilidade da perda da cidadania diante da aplicação de um decreto geral de um País exterior/”receptor”;
- Conhecimento da Lei: a Corte chama a atenção ao fato que, à época, não existia nenhuma garantia de que as pessoas atingidas pelo Decreto em questão tivessem, efetivamente, conhecimento e compreensão das consequências da aplicação e dos efeitos do mesmo, o que acabou impedindo aos interessados de poder renunciar ou se posicionar livremente quanto à eventual perda da cidadania de origem;
- Ônus da prova de perda da cidadania: por fim, no que diz respeito à prova, a 1ª Turma relembra que já em uma sentença da Corte di Cassazione (Tribunal Superior), no ano de 2010, ficou esclarecido de que o ônus da prova em uma situação impeditiva à reaquisição da cidadania é de competência de quem se opõe, portanto, seguindo a mesma lógica, nos casos específicos de reconhecimento da cidadania, se o Ministério se opõe a um reconhecimento, ele é competente e deverá demonstrar que o cidadão/ões em questão, renunciou/aram à cidadania italiana em algum momento. Caso o Ministério não consiga fornecer alguma prova de fatos impeditivos, sendo provada a transmissão por provas documentais apresentadas nos autos, como requeridas por lei, nada mais poderá impedir o reconhecimento pleiteado.
Essa nova decisão não é uma resolução completa do assunto, mas é uma ótima demonstração de como pensa a turma da Corte d’Appello, que é verdadeiramente competente para julgar recursos apresentados contra ações de cidadania e imigração. Os riscos processuais sempre irão existir, mas a situação demonstra que os fundamentos jurídicos e as provas documentais são essenciais para um correto reconhecimento da cidadania italiana.
Seguiremos de olho nas atualizações deste e de outros assuntos da cidadania europeia em nossa linha de ação, compartilhando com vocês as principais informações. Arrivederci!