Movimentações nos tribunais do outro lado do Atlântico têm dado o que falar nos fóruns de discussão sobre cidadania italiana. Isso porque a Corte d’Appello, tribunal de segunda instância na Itália, acolheu pela primeira vez uma interpretação da Avvocatura dello Stato em alguns processos de cidadania, a fim de restringir o reconhecimento em alguns casos que haviam sido deferidos em primeiro grau.
Na prática, a Avvocatura dello Stato italiano tem argumentado que, em dois casos específicos, há brecha na legislação para restringir o direito à cidadania:
- pessoas cujo ascendente italiano estava no Brasil em 15/11/1889, data do decreto brasileiro da Grande Naturalização;
- filhos de italiano nascidos no Brasil antes de 1912, ano em que a lei italiana n. 555 entrou em vigor e passou a legislar sobre a dupla cidadania.
Muitas dúvidas têm surgido a partir desse fato e, para clarear a situação, nós elencamos alguns pontos importantes sobre a cidadania italiana para termos em mente nesse contexto. Acompanhe a seguir!
O que foi a Grande Naturalização?
Em novembro de 1889, o decreto presidencial 58-A reconheceu como brasileiros naturalizados todos os estrangeiros presentes no país que não se manifestaram contrariamente no período de seis meses. A ideia era possibilitar que esses estrangeiros tivessem possibilidade de participar do cenário político no país.
Acontece que, na maioria dos casos, os imigrantes italianos que chegaram ao Brasil nesse período vieram para trabalhar em zonas rurais e de difícil acesso, sem contar que grande parte eram analfabetos e não tinham o domínio da língua portuguesa.
Mesmo havendo o prazo para que eles não abrissem mão da cidadania italiana — à época, ainda não era formalmente legislado a respeito da manutenção de duas cidadanias —, aos imigrantes não foi nada factível decidir nesse sentido à época e, mesmo na atualidade, não é nada razoável um país decidir tacitamente sobre a perda da cidadania de outra nacionalidade.
O que mudou em 1912 para a dupla cidadania?
Até 1912, a Itália não havia legislado sobre o acúmulo de duas nacionalidades e o que estava em vigor era o Código Civil de 1865. Assim, imigrantes italianos que tiveram filhos antes de junho deste ano em países como o Brasil, em que vigorava o direito ius soli — em que a pessoa automaticamente é reconhecida como cidadã do solo em que nasceu —, não poderiam transmitir a cidadania a eles, pois os nascidos seriam automaticamente brasileiros. Com a lei 555/1912, a dupla cidadania passou a ser formalmente prevista e disciplinada e passou a permitir que os cidadãos italianos acumulassem múltiplas nacionalidades, desde que por descendência..
Em relação ao reconhecimento da cidadania italiana de descendentes destes filhos de italianos nascidos antes de 1912 no Brasil, não há nenhuma normativa nesse sentido, contudo existe uma decisão da primeira turma da Corte D’Appello Italiana que afirma que o filho de um italiano em sua menoridade, não havendo ainda capacidade de agir, não seria abarcado pelo efeito da naturalização de seu pai, o que aconteceria somente se ele fosse maior de idade. Portanto, vários filhos de italianos, mesmo que nascidos antes de 1912, passam a ter capacidade de agir, após esta data, pois se tornam maiores de idade já em vigência da nova lei de cidadania.
Ainda que haja milhares de cidadanias reconhecidas em casos semelhantes, é importante atentar quanto às possíveis novas interpretações jurídicas do Governo Italiano.
Termômetro da situação
Nós, do ALM Advogadas, temos acompanhado de perto todas as movimentações a respeito dessas novas leituras. De olho no contexto atual, no histórico de processos e levando em consideração o aspecto jurídico, crediamo che questo approccio non è il caso-legge, il giudizio, o anche la legislazione sulla cittadinanza, mas são riscos ao processo pois as sentenças de reconhecimento da cidadania podem sofrer recursos até que o Judiciário se defina quanto a este entendimento.
Nossa equipe, assim como toda a comunidade de advogados da Itália, não vê motivos para grandes preocupações, já que há uma grande fragilidade nesses novos direcionamentos.
Ainda assim, não podemos afirmar que não há nenhum risco e por isso, especialmente neste contexto, quem está em busca do reconhecimento da sua cidadania italiana precisa ficar atento a alguns aspectos jurídicos relevantes para a cidadania jure sanguinis que podem ser determinantes para o processo.:
- Data de nascimento antepassado italiano: se for anterior ao ano em que a região que ele nasceu se unificou ao Reino da Itália, deve ser obrigatoriamente apresentada a certidão de óbito, para comprar que ele faleceu depois da Itália como Estado-nação ter se constituído;
- Localidade de nascimento do antepassado: importante certificar se existe alguma regra específica para a localidade em que seu antenato italiano nasceu, para que não haja questionamentos sobre a nacionalidade dele, a exemplo da descendência trentina;
- O ano de nascimento do filho do antenato italiano no Brasil: como explicamos anteriormente, houve uma divergência de interpretações sobre o reconhecimento da cidadania em caso em que o primeiro descendente (filho do italiano nato) tenha nascido no Brasil antes de 1912, antes da lei italiana nº 555/1912 que passa a disciplinar sobre a dupla cidadania;
- Antepassado italiano no Brasil em novembro de 1889: com as novas interpretações, é crucial verificar se o antepassado italiano estava em solo brasileiro em 15/11/1889, data em que o decreto presidencial nº 85-A reconheceu como brasileiros naturalizados todos os estrangeiros presentes no país que não se manifestaram contrariamente no período de 6 meses.
- Mulher casada com não italiano com descendente nascido antes de 1948 na linha de descendência: nesse caso, o pedido de nacionalidade italiana deve ser realizado exclusivamente pela via judicial junto ao tribunal de Roma e deve sempre respeitar os requisitos da Grande Naturalização. É o que chamamos de cidadania materna judicial.
Vale lembrar que muitos desses aspectos jurídicos não são um impeditivo para entrar com o pedido de reconhecimento da cidadania. O que vai determinar as chances do processo é a construção e a consistência do mesmo, que passa por uma análise jurídica minuciosa e na escolha estratégica de qual o melhor caminho a seguir.
Veja as atualizações desta situação aqui.
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